terça-feira, 6 de maio de 2008

O Caráter Anamnésico do Culto Cristão

O que queremos dizer, quando falamos em caráter anamnésico do Culto Cristão? Qual o significado deste termo “anamnésico”? Quais as implicações deste termo nos “diversos tipos e estruturas” do Culto Cristão?
White afirma que anámnesis[1] é um termo-chave nos relatos paulino e lucano. Ele ressalta que nenhum termo no vernáculo transmite sozinho seu sentido pleno como o faz este termo. Ainda que usássemos outros vocábulos, como lembrança, recordação, representação e experiência renovada, não teríamos uma precisão para descrever o significado de “anámnesis”; estes vocábulos seriam imagens distantes e fracas. O real significado de “anámnesis” na definição de White expressa[2] o sentido de que, ao repetir essas ações, o adorador volta a vivenciar a realidade do próprio Jesus presente.
“O culto é perfeitamente encarnacional por ser governado por todo o evento de Jesus Cristo. O Culto Cristão está vinculado diretamente aos eventos da história da salvação. Cada evento neste culto está ligado diretamente ao tempo e à história enquanto cria pontes para eles e os traz para dentro de nosso presente”[3].
O Senhor Jesus garantiu que onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, aí nesta reunião Ele estaria presente[4]. Não é uma reunião em memória de alguém que está morto, sepultado, inerte, sem poder ou numa outra dimensão espiritual e impossibilitado de interagir na reunião das pessoas que O invocam. Esta é uma reunião em que se invoca a aplicação de todos os resultantes da Obra da Salvação. É a invocação d’Aquele que venceu a morte, levantou-Se da sepultura, tem em Suas Mãos todo o poder, age em nossa dimensão e interage em nossas vidas suprindo as nossas necessidades.
O professor liturgista Jean-Jacques von Allmen diz que o Culto Cristão “resume e confirma sempre de novo a história da salvação cujo ponto culminante se encontra na intervenção encarnada do Cristo”[5].
Esta reunião é mais do que uma lembrança histórica, mais do que uma recordação, mais do que um momento de saudosas lembranças - é a hora encarnacional do Senhor Jesus em nosso presente. Cumpre-se a Palavra: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, e hoje, e eternamente” - Hb. 13.8. O mesmo Senhor que venceu a morte e ressuscitou no passado é o mesmo que é Real no presente de nossas vidas e ministra o Seu poder em nossa existência contra as adversidades.
A Bíblia exorta ao cristão quanto ao fato dele ter um grande Sumo Sacerdote - Jesus Cristo, portanto, ele deve reter firmemente a sua confissão de fé n’Este Senhor que penetrou nos céus, considerando que jamais este Sumo Sacerdote não irá compadecer-Se das fraquezas deste cristão. Quando Ele Se encarnou, sendo como um dos cristãos, foi tentado em tudo (mas, sem pecado). Diante deste Senhor em Seu trono de graça, o cristão pode achegar-se para alcançar misericórdia e achar graça, sendo ajudado por Ele em tempo oportuno[6]. Esta ação do Senhor Jesus é real e certa quando invocada no culto, pois “o Cristo continua sua obra salvadora por meio do Espírito Santo”[7].
O Culto Cristão é a reunião do Corpo Vivo em que a Cabeça está presente e age em prol dos membros deste corpo. O corpo está ali em obediência à Cabeça sempre esperando o comando e o agir da cabeça, pois “o próprio Cristo está presente e age por meio da Igreja, sua ecclesia, enquanto ela age com Ele”[8]. Diante desta realidade os eventos históricos pertinentes à salvação realizada no passado pelo Cristo, evidenciam-se no presente com toda a sua plenitude e materializam na vida do pecador perdido o poder eterno do Senhor para salvar. ” O que Cristo realizou no passado volta a ser concedido à pessoa que presta culto, para que o experimente e aproprie no tempo atual. A pessoa participante do culto pode assim voltar a experiênciá-los para sua própria salvação”[9].
O professor White concede-nos um relato histórico sobre Israel, plenamente utilizável como analogia para este assunto supracitado. Ele historia acerca do fato do ofício sinagogal, que parece ter surgido, segundo ele, para preencher “uma função nacionalista, a sobrevivência de Israel durante o exílio na Babilônia. Israel mantinha sua identidade pela lembrança”[10]. Este espírito de sobrevivência caracterizava-se pela capacidade de recordar os feitos divinos em prol do povo de Israel. Esta recordação de fatos divinos no passado trazia para o presente do povo em exílio a esperança da intervenção divina no auge de suas necessidades em terra estranha. Aquele Deus que no passado havia libertado da escravidão no Egito, o povo de Israel, era o mesmo que poderia livrá-los do cativeiro babilônico e os reintroduzí-los na terra prometida. Semelhantemente, a Igreja recorda-se dos feitos salvíficos realizados pelo Cristo na Cruz do Calvário e, no presente, se apropria deles.
O caráter anamnésico do Culto Cristão é passivo ou ativo? Basta acontecer o culto e, automaticamente, os efeitos salvíficos do passado são manifestos no presente? Em que dimensão, grau e níveis manifesta-se o caráter anamnésico do Culto Cristão?
Entendo que se tratando da Igreja Invisível o caráter anamnésico do Culto Cristão é constantemente ativo, mas quanto à Igreja Visível é constantemente passivo, sendo o mesmo ativado pela “FÉ”[11]. O escritor da Epístola Aos Hebreus, inspirado pelo Espírito Santo, é enfático quanto a este evento em foco: Um grupo reuniu-se para ouvir a Palavra de Deus, mas de nada adiantou porque a “FÉ” não foi adicionada à Palavra de Pregação recebida. Nesta ocasião, ficou constatado pela Palavra de Deus que o caráter anamnésico do Culto Cristão não manifestou o efeito salvífico nos ouvintes.
A Igreja Visível quando liga alguma coisa aqui na terra é porque terá (antes) acontecido nos céus (Igreja Invisível): “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra terá sido ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra terá sido desligado no céu” - Mt. 18.18[12]. Esta ação acontece no meio em que a FÉ aciona a descida dos acontecimentos dos céus à terra.
Não é o bastante acontecer um culto para que o caráter anamnésico do Culto Cristão cumpra-se cabalmente, é preciso que Deus agite as águas[13]. Estas águas são agitadas na soberania divina através dos dispositivos que Ele mesmo estabeleceu para a Igreja. Não há como estabelecer novas linhas de pensamentos e operações e falar para Deus ratificá-las. A Igreja é divina-humana e não humana-divina. O que acontece aqui na terra, terá antes acontecido nos céus.
Creio que tanto as dimensões, os graus e os níveis da manifestação do caráter anamnésico do Culto Cristão estão situados em primeira instância na ação total do Senhor Jesus, Cabeça do Corpo; em segunda instância, estão situados na resposta do Corpo de Cristo à esta ação; e em terceira instância, estão situados na consolidação que a Cabeça fará na vida do Corpo. Há uma ação primordial realizada pelo Senhor quanto à esfera em que Ele irá agir, é Ele quem determina isto. É soberania divina[14]. Não adianta querer ensinar ao Eterno. Ele é Senhor, Rei e Deus![15] Quanto à segunda instância, é o Senhor quem é o responsável tanto pelo querer como pelo efetuar[16]. Ele é quem inclina o coração do rei, como quer. Ele é quem inclina o coração da Igreja. Ele é quem direciona a Igreja no agir[17] da Obra Salvífica aos pecadores perdidos, mas o ser humano também participa, reagindo positivamente. Em terceira e última instância, é Ele quem consolida a boa Obra iniciada por Ele. É Ele quem efetiva, quem conclui, quem sela, quem dá o acabamento final. Diante destas considerações, entendo que o próprio Senhor determina as dimensões, os graus e os níveis tanto no que diz respeito a Ele, como no tocante à Igreja. Cabe, porém, à Igreja oferecer respostas pertinentes e cabíveis dentro dos limites da vontade divina, tais como: santificação, fé, dedicação, voluntariedade, despreendimento, renúncia, etc.
O caráter anamnésico do Culto Cristão é imprescindível para a vida da Igreja, pois o mesmo se constitui em instrumento útil através do qual o Senhor opera no nosso presente aquilo que já fez no passado.